sábado, 26 de outubro de 2013

Henrietta: uma mulher imortalizada pela ciencia


As células HeLa são amplamente utilizadas em pesquisas científicas desde os anos 50; somente em 2013 os herdeiros Lacks ganham o direito sobre os dados genéticos de sua própria família

Um breve histórico

Henrietta Lacks tinha apenas 31 anos quando sofreu de um grave câncer cervical. Os médicos do hospital Johns Hopkins, localizado em Baltimore nos Estados Unidos, retiraram uma amostra do tecido de Lacks e enviaram ao pesquisador George Gey. George estava tentando cultivar tecidos humanos, sem êxito. Ao se deparar com as células de Henrietta, chamadas posteriormente de HeLa (pronuncia-se “ri-la”), ele notou que elas tinham um ótimo crescimento e se duplicavam a cada 24 horas. Henrietta, no entanto, não consentiu em participar de tais experimentos.

A história ficou conhecida mundialmente através do livro publicado por Rebecca Skloot em 2010, “A vida imortal de Henrietta Lacks”. A escritora relata o drama vivido pelos herdeiros de Henrietta, que são de origem humilde e nunca tiveram acesso aos lucros obtidos com as vendas de HeLa. E este livro foi decisivo para as discussões mundiais sobre a ética no uso de células humanas em pesquisas.

Em 2013, a publicação do artigo contendo informações sobre o genoma das células HeLa gerou um clima de revolta entre pesquisadores e a família Lacks. Os herdeiros ficaram preocupados com o tipo de informação que o estudo iria revelar sobre o histórico de doenças que eles poderiam ter.

Após alguns meses de discussão, o National Institutes of Health (NIH) fez um acordo com os Lacks. Este acordo prevê que o acesso à sequência completa do genoma das células HeLa seja controlado e confere à família o poder de mapear os trabalhos que estiverem sendo feitos sobre o assunto. Assim, o pesquisador que precisar do banco de dados deverá pedir autorização para o NIH e para os herdeiros de Henrietta. A família, no entanto, continua a não receber nenhum lucro sobre as vendas de HeLa.

A pesquisa científica e as regulamentações

            O aumento no número de pesquisas com o DNA humano impulsionou as discussões éticas sobre a utilização dos dados genéticos obtidos. A história de Henrietta tem sido de grande importância para a regulamentação deste segmento de pesquisa, inclusive no Brasil. O nosso país conta hoje com três grandes órgãos que regulam as pesquisas científicas envolvendo seres humanos.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a resolução nº 9 em 2011, que contém regras para o funcionamento dos Centros de Tecnologia Celular (CTC). Estes Centros são responsáveis pelo fornecimento de células humanas e seus derivados para pesquisa clínica e terapia.

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) presta auxílio técnico desde 2005 para as regulamentações envolvendo a segurança na manipulação de organismos geneticamente modificados, conhecidos também pela sigla OGM.

O pesquisador da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (FCA - Unicamp), Fernando Simabuco, explica um pouco sobre as regras do Manual de Biossegurança:

“A linhagem [celular] é classificada com um nível de biossegurança de acordo com o risco da modificação genética. O descarte também depende dessa classificação. Linhagens celulares sem modificações genéticas são descartadas em hipoclorito 10%.”

No caso de linhagens celulares de nível de biossegurança 2 (contém patógenos que oferecem risco moderado para a comunidade), Fernando aponta que elas devem ser descontaminadas com hipoclorito e autoclavadas antes do descarte.

Por fim, o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) avalia os aspectos éticos nas pesquisas que envolvem seres humanos. A resolução 466 ,publicada em dezembro de 2012, prevê ações que asseguram a confidencialidade e a privacidade dos participantes da pesquisa. Este documento teve como uma de suas bases a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos.

Conheça a HeLa!

As células HeLa têm sido amplamente utilizadas em pesquisas científicas nos últimos 50 anos. Jonas Salk pode desenvolver a vacina da pólio com células HeLa. Ela esteve presente também em pesquisas sobre câncer, efeitos da radiação e substâncias tóxicas, AIDS, e mapeamento genético.

a) células HeLa coradas pela técnica de imunofluorescência, vistas em um microscópio de fluorescência. Em verde está uma proteína do citoplasma da célula e, em azul, o núcleo. Fonte: Germanna Righetto, Laboratório Nacional de Biociências (LNBio).
b) células HeLa vistas através de um microscópio óptico. Fonte: Germanna Righetto, Laboratório Nacional de Biociências (LNBio).

A doutoranda em proteômica pela Unicamp, Annelize Aragão, conta que elas foram a primeira de uma linhagem de células chamadas imortais. As células imortais são aquelas capazes de se manter em constante divisão. Isso acontece devido a técnicas de engenharia genética que alteram o processo de morte celular. As células imortais tem origem nas linhagens primárias, que são retiradas diretamente de um paciente ou doador.

Para adquirir um frasco de HeLa, é possível comprá-lo através de sites como o ATCC por cerca de U$400, pegar uma amostra emprestada de um colega pesquisador ou buscá-lo em um banco de células. O biólogo e curador do Banco de Células do Rio de Janeiro, Antônio Monteiro, explica um pouco sobre este centro:

“O Banco de Células do Rio de Janeiro é a única coleção de células humanas e animais prestadora de serviço do Brasil e é a maior da América do Sul, não só em acervo mas também na prestação de serviços. Temos cerca de 400 células, sendo que aproximadamente 30% são de origem humana. O custo do serviço prestado de descongelamento e manutenção das células é de 840 reais.”

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